Desde a década de 1990, os regulamentos nacionais sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos asseguram aos participantes os benefícios resultantes do projeto (Res. CNS 1996/96) de forma gratuita e por tempo indeterminado (Res. CNS 466/12). Entretanto, em 2017, Conselho Nacional de Saúde (CNS) limitou, ao prazo de cinco anos contados da definição do preço, o acesso dos participantes com doenças ultrarraras aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos comprovados.
Objetivo. Esta pesquisa tem como objetivo analisar a limitação ao fornecimento de medicamento pós-estudo em doenças ultrarraras regulamentada pela Resolução CNS 563/2017. Método. Trata-se de estudo descritivo-exploratório que utilizou as técnicas do estudo de caso e da pesquisa bibliográfica para o levantamento de artigos em base de dados. Como referencial teórico, utilizou-se a abordagem internacional da bioética e dos direitos humanos.
Resultados. Os resultados revelaram que a Resolução CNS 563/17 restringiu o fornecimento de medicamento pós-estudo no caso de doenças ultrarraras e, ao contrário de representar avanços, foi fruto de uma enorme pressão e influência da indústria e de algumas entidades representativas dos pacientes.
Discussão. A harmonização dos procedimentos estabelecidos pelas Boas Práticas Clínicas (BPC) entre centros de pesquisa de vários países contribuiu para que patrocinadores de ensaios clínicos optassem por conduzir pesquisas em regiões menos desenvolvidas, como os países sul-americanos, devido ao menor custo e maior disponibilidade de pacientes. Com isso, a exigência de fornecimento de medicamento pós-estudo torna-se fator decisivo para a escolha do local onde será realizada a pesquisa clínica, como demonstra estudo que constatou percentuais mais elevados de ensaios clínicos envolvendo populações vulneráveis de países de baixa e média renda sem planos de acesso pós-estudo. Tal cenário evidencia que os interesses econômicos das indústrias farmacêuticas buscam a flexibilização da garantia do acesso pós-estudo.
Conclusão. Considerando que: i) na perspectiva da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (2005), acordos prévios à pesquisa acerca dos benefícios dela decorrentes são imprescindíveis à promoção da justiça social; ii) na perspectiva dos direitos humanos, a aplicação do direito à saúde deve ser progressiva, segundo Comentário Geral n. 14 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (2000), conclui-se que a falta de transparência dos dados econômicos da indústria farmacêutica e da declaração de ausência de conflitos de interesses das associações de pacientes e outros atores responsáveis por essa inovação regulatória torna ética e juridicamente questionável a limitação temporal do acesso pós-estudo para participantes com doenças ultrarraras.
Essa publicação faz parte do portfólio e da trajetória pregressa de um ou mais membros da equipe do Vox & Gov.
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